sábado, 22 de agosto de 2009

Processos pessoais

Acredito que este filme é uma grande oportunidade de revisão para as pessoas que se disponibilizam a participar.

O simples fato de falar sobre um momento vivido já nos faz sentir mil coisas a respeito dele. Às vezes, emoções engavetadas são resgatadas e ajudam a superar momentos desagradáveis, ou fortalecer os agradáveis. O fato é que recordar é preciso.

Revirar o baú pode até ser doloroso às vezes, mas sempre tiramos dele pérolas que nos embelezam porque nos mostram quem somos de verdade, com nosso belo e feio.

E, sendo este um filme sobre Moema Corrêa/Moema Ameom, nada mais justo do que ele conduzir as pessoas a uma ReVisão de movimentos, fazendo as águas passadas moverem moinhos.



[22/8]

Contatos

Estou, de um modo geral, muito feliz com o retorno que as pessoas tem me dado quando as convido. Pessoas que afirmam, como a Fernanda Abreu: “faço questão absoluta de participar”, ou Paola Minh que disse “claro, a Moema foi responsável por um monte de coisas na minha vida, é um prazer participar”.

*
Ontem (21/08) quem me colocou contra a parede (ou a favor dela) foi Ângela Vieira. Quando ela me disse: “claro que me lembro de Moema Corrêa!” eu disse: “que legal!”, não só porque ela se lembra, mas pelo tom de voz me pareceu que ela tinha lembranças agradáveis.

Mas por que ela me colocou na parede? Ela disse que não tinha muito o que contar de significativo, uma vez que a maior lembrança da Moema era o fato de que elas iam juntas à praia quando tinham 16 anos. Não tinha muito a ver com ballet, nem com teatro, nem nada. Era mais com a praia.

Eu pensei: “Caramba, que máximo! Uma pessoa que vai me contar sobre a juventude que ia à praia na década de 60! Alguém que conviveu com Moema em momentos nada sérios, nada profissionais, deve ter muito a contar!”.

Mas Ângela, super simpática e solícita, queria entender o que ela teria de útil a contar.
Não consegui argumentar. Por que seria importante contar isso? Fiquei me questionando.

E como o questionamento dela veio com muita clareza, eu consegui, depois de muita reverberação interna, encontrar respostas.

Fiquei imaginando que eu mandaria um e-mail pra ela dizendo assim:

Prezada Ângela, quem pode te responder se a sua participação neste filme é importante não sou eu: é o seu coração. Pode ser que seu desejo profundo te impulsione a falar sobre a Moema, se ela tiver marcado algum momento da sua vida. Talvez você sinta vontade de narrar histórias vividas, contar sobre a praia, o sanduíche comido na pracinha, a piada sem-graça ou engraçada que Moema contou naquele dia, aquele gatinho que te paquerava, et cetera.

Talvez você nem fale o nome de Moema, mas se me contar como é que a juventude ia à praia em mil novecentoe e sessenta e poucos pra mim já acrescenta muito.

O que eu quero saber é em que ambiente esta pessoa de quem eu estou falando viveu a sua adolescência.
Me interessa muito saber porque você se lembra dela depois de tantos anos.

Será que ela te disse, aos 16 anos, uma frase que você relembrou aos 30 e te ajudou a vivenciar um fato? Ela te emprestou um vestido, foi com você a uma boate porque você não queria ir sozinha? Ela te pediu ajuda pra comprar um biquíni? Eu quero histórias banais.

Seja lá como for, se existe uma história que você viveu no mesmo período em que convivia com ela, esta me interessa. Mas não me interessa de qualquer jeito. Interessa se você tiver VONTADE de contá-la. Se isto de alguma maneira te apaixona, isto pra mim é significativo. Se faz seus olhos brilharem, pra mim é especialmente importante.

Eu quero contar histórias de pessoas que viveram uma época. E a geração de 1950 viveu um tempo muito intenso na história do nosso país.”

E por aí vai..... Pode até ser que eu escreva mesmo para a Ângela. Mas mesmo que isso não aconteça, o que ficou pra mim foi o fortalecimento do meu objetivo. O que eu quero da Ângela Vieira é o mesmo que quero do Modesto, que era da equipe de iluminação do espetáculo “Alegro Desbun...”. Quero saber o que eles vivenciaram próximo de Moema que os fazem se lembrar dela.

Eu tenho a tese de que foi incrível viver naquele período. Por isso gosto de ouvir estas histórias. E quero contá-las.

Isto, sim, é realmente significativo!

[22/8]

Começo de conversa: ARTE


Primeiros relatos de um diário de bordo. A viagem? Produzir um filme, coisa que nunca fiz antes.

O processo de produção deste documentário está me levando a adentrar um mundo muito interessante: estou me conectando com artistas de outra época, pessoas que conheceram um tempo onde a arte era levada a sério. Não era atividade para os desajustados, mas opção de vida. Mais: uma manifestação vital.

A primeira pessoa com quem entrei em contato foi Amador Perez. Comecei muito bem, porque o cara é dono de uma acuidade perceptiva que eu nunca tinha visto assim de cara, a olho nu – é absolutamente evidente, exala pelos poros dele.

A maneira como ele falou de Moema me emocionou! A sensação que eu tinha era de estar falando com um mago. Um leitor de almas. E só um grande artista pode mergulhar assim em uma alma, decifrando-a.

Eu ganhei alma nova naquela meia horinha ou menos de conversa. Simplesmente porque Amador é a exemplificação do que eu vejo como sendo arte: ele é! Simples, pura e essencialmente.

Pra mim, a arte é algo que exala sem alardear. Eu vi tanta arte na conversa dele quanto nas paredes da galeria. Vi que o que está exposto é reflexo do que está dentro dele. E é tão raro encontrar um artista integrado com a sua arte!
Normalmente o que se vê é esquizofrenia. Ali eu vi integração. Discurso articulado. Espírito questionador. Investigador. Amador Perez se inseriu no restrito mundo das pessoas que admiro por serem artistas de verdade.


Acredito que esta é a grande verdadeira arte que alimenta a vida, que a faz digna, justa e lhe confere validade. A arte do encontro, a arte de olhar com olhos de beleza para a vida.

[escrito em 1° de agosto de 2009]


Bela figura: Moema Corrêa em trabalho de Expessão Corporal de Klauss Vianna - Parque da Cidade, déc. 60. foto: Gerson Rocha

Moema Ameom na Palestra "Moitakuá e o Quantum" - Niterói, 2009 - foto: Rodrigo Gondim